PEDRO CARNEIRO
CARTAS AO AFETO
Texto: Thayná Trindade
06|09|22 - 08|10|22
Cartas ao afeto – primeira exposição individual de Pedro Carneiro – nos convida a um vir a ser coletivo, construindo novos pressupostos e viradas poéticas acerca da encruzilhada contínua do existir em diáspora, como corpo preto que se dispõe a olhar as vicissitudes que fazem parte de suas histórias, bem como o transbordar de sua humanidade a partir do reencontro para com os seus e os diversos graus de sentimentos que navegam no seu mar existencial, tecendo linhas e contornos através de seus trabalhos para perpetuar memórias outras.
Bell Hooks nos ensina que a perspectiva de estética é, para além da própria ideia e teoria de arte, um modo pelo qual olhamos e habitamos os espaços, a fim de nos tornarmos também parte integrante daquilo que construímos. O belo também é o pertencimento.
Como no conceito de "escrevivências" de Conceição Evaristo, a dimensão pictórica de Pedro Carneiro apresenta cotidianos, experiências, desejos, sonhos de um povo que renega o lugar de objeto e retoma o lugar de protagonismo, presença e de poder – no âmbito do existir, do conceder e do permitir - subvertendo a lógica hegemônica de um lugar-comum, marginalizado, violento, descartável.
Transcender os traumas sem apagá-los se tornam estratégias sacralizadas em suas pinceladas. Se tempos antes os tons de cinza reforçaram estéticas violentas e ares de melancolia, hoje são ponto de partida para reivindicação desses corpos em levantes, somados a alegorias que versam sobre possibilidades de cura, proteção, reivindicação, amor e agência nas mais variadas formas.
A dimensão dos afetos toma corpos apresentados em primeiro plano, mediante a formulação de futuros possíveis embebidos num certo anacronismo simbólico, percorridos nos elementos que constituem os espaços em cada tela: nas tecnologias ancestrais de recobro em meio às ervas medicinais e de anteparos, associados a presenças divinizadas e heroicas de personas que se tornam reais e vivas, tramadas sob o arcabouço de uma paisagem que não se revela por completo, mas que é desejada e habitada na casa das matriarcas de Oswaldo Cruz, nos Quilombos que vêm de Palmares e desembocam em Irajá, se fortalecem nas esquinas sonoras de Madureira, passam por ideais filmíticos de Wakanda, Dakota, Soho.
Experimenta a teatralidade e o poder político do negro liderados por Abdias Nascimento e companhia, reveste os corpos protegidos pela espada de Ogum, saúda mares e pede benção para inaugurar uma nova fase que abraça, acarinha em tons rosa anseios de um povo.
Abdias, Beatriz, Lélia, Sr. Nilson, Sr. Tonico, D.ª Ridete, Dª Luiza, D.ª Glória, Seu Carlos e tantos outros apresentam ferramentas e embalam presenças que caminham junto, onde a ideia de Sankofa é presença, energia vital, ASÈ. Afinal, como construir futuros possíveis sem reverenciar aqueles que antes vieram?
Thayná Trindade
Thayná Trindade (n.1988 - Rio de Janeiro, BR) vive, estuda e trabalha no Rio de Janeiro, Brasil.
Atualmente é Assistente Curatorial e Pesquisadora no Museu de Arte do Rio (MAR/Rio).
Historiadora da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Curadora Adjunta na 01.01 Art Platform.
Serviço
Abertura: 06.09.2022 | 18h - 21h
Visitação: 08.09.2022 - 08.10.2022
Ter - Sex: 11h - 19h | Sab: 13h - 18h
Ficha técnica
Texto crítico: Thayná Trindade
Design Gráfico: Maria Dantas
Assessoria de Imprensa: CWeA Comunicação
Iluminação: Antonio Mendel
Fotografia: Rafael Salim e Pedro Carneiro
Montagem: Gilmar Pires
Tradução: Leonardo Souza